Read O DIÁRIO DE BRIDGET JONES Online
Authors: Helen Fielding
21hl5.
Liguei três vezes seguidas para meus pais, deixando tocar
20 vezes. Minha mãe acabou atendendo com uma voz estranha
dizendo que não podia falar mas ligaria para mim no fim
de semana.
SÁBADO,
11 DE FEVEREIRO
56,7
kg, 4 unidades alcoólicas, 18 cigarros, 1.467 calorias
(queimadas durante as compras).
Acabei
de chegar das compras e ouvi um recado que meu pai deixou na
secretária perguntando se podia almoçar comigo no
domingo. Levei um susto. Meu pai não vem a Londres sozinho
para almoçar comigo aos domingos. Ele come rosbife, ou salmão
com batatas cozidas, em casa com mamãe.
—
Não
precisa ligar de volta — dizia o recado. — Encontro
com você amanhã.
O que está
acontecendo? Fui até a esquina, trêmula, louca por um
cigarro. Quando voltei tinha um recado da mamãe. Pelo que
entendi, ela também vem para o almoço amanhã.
Vai trazer um pouco de salmão e chega à uma da tarde.
Liguei
para Jamie e ouvi Bruce Springsteen cantando durante 20 segundos e
depois Jamie rosnando: "... seu tempo acabou."
DOMINGO,
12 DE FEVEREIRO
56,7 kg, 5n
unidades alcoólicas, 23 cigarros (nenhuma surpresa), 1.647
calorias.
11h.
Ai, Deus, é impossível
conversar com papai e mamãe ao mesmo tempo. É dose
para leão. Vai ver que essa história de almoço é
só uma brincadeira de pais que assistem a muito programa
de auditório na televisão. Vai ver que minha mãe
vai chegar com um salmão vivo numa coleira e anunciar que está
trocando papai pelo salmão. Ou papai vai chegar plantando
bananeira na janela, vestido de bobo da corte, entrar quebrando tudo
e começar a bater na cabeça da mamãe com uma
bexiga de ovelha; ou, de repente, cair do armário de
vassouras de cara no chão com uma faca de plástico
enfiada nas costas. A única coisa capaz de colocar tudo
no lugar é um
bloody mary.
Afinal,
já é quase meio-dia.
12h05.
Mamãe ligou.
—
Deixa
ele
ir, então —
falou. — Deixa que faça o que bem entender, como sempre.
— (Minha mãe é incapaz de xingar alguém.
Diz coisas do tipo "furibundo" e "ai, meu Santo Pai".)
— Não vou me alterar — continuou mamãe. —
Vou ficar limpando a casa como uma Amélia. — (Será
que minha mãe estava de porre? Ela não bebe nada além
de um único licor de xerez nas noites de domingo desde 1952,
quando ficou alegrinha com meio litro de sidra na festa de 21 anos de
Mavis Enderby e nunca mais esqueceu disso nem deixou ninguém
esquecer. "Nada pior que uma mulher bêbada,
querida.")
Mãe,
escuta. Será que não podemos conversar os três
juntos, no almoço? — perguntei, como se fosse uma cena
do filme
Sintonia de amor
que
terminaria com meus pais de mãos dadas e eu, de mochila,
dando uma piscadela para a câmera.
Espere
um pouco — disse ela, soturna. — Você vai
descobrir como os homens são.
Mas
eu já... — comecei.
—
Vou
sair, querida — disse ela. — Vou sair para
transar.
Meu pai
chegou às duas horas com um exemplar do
Sunday
Telegraph
dobrado embaixo do braço.
Quando sentou no sofá fez uma careta e as lágrimas
começaram a escorrer pelo rosto dele.
Ela
está assim desde que foi para Albufeira com Una Alconbury e
Audrey Coles — soluçou ele, tentando secar as lágrimas
com uma das mãos. — Quando voltou, começou
a dizer que queria receber salário para fazer o serviço
doméstico e que tinha desperdiçado uma vida inteira
como nossa escrava. —
(Nossa
escrava?
Eu sabia. Tudo culpa minha. Se eu fosse uma pessoa melhor, mamãe
não teria deixado de gostar do papai.) — Ela quer que
eu saia de casa durante um tempo e... e... — ele ficou
chorando baixinho.
E o
quê, papai?
Ela
disse que eu achava que clitóris era alguma coisa que tinha a
ver com a coleção de borboletas de Nigel Coles.
SEGUNDA-FEIRA,
13 DE FEVEREIRO
57,6
kg, 5 unidades alcoólicas, 0 cigarro
(o
enriquecimento espiritual tira a vontade de fumar
—
grande mudança), 2.845 calorias.
Apesar
de estar aborrecida com o problema de meus pais, tenho de admitir um
sentimento paralelo e vergonhoso de pretensão quanto a meu
novo papel de protetora e, como eu chamo, de conselheira sensata. Há
tanto tempo não faço alguma coisa por alguém que
essa sensação é totalmente nova e complexa.
Era o que faltava na minha vida. Tenho tido umas fantasias de virar
samaritana ou professora de catecismo, fazer sopa para os
sem-teto (ou, como sugeriu meu amigo Tom,
bruschette
com molho ao
pesto)
ou
até cursar medicina. Talvez fosse melhor ainda eu sair com um
médico, o que seria vantajoso tanto do ponto de vista sexual
quanto espiritual. Comecei a pensar até em pôr um
anúncio na seção Corações
Solitários dos classificados do
Lancet.
Eu podia anotar os recados, dizer aos
pacientes que quisessem visitas médicas à noite
para eles sumirem no mundo, fazer suflês de queijo de
cabra para ele e, quando chegasse aos 60 anos, estaria no maior
tédio, igual a mamãe.
Ai,
Deus. Amanhã é Dia dos Namorados. Por quê? Por
quê? Por que o mundo faz com que as pessoas sem romance se
sintam idiotas quando todos sabem que romances não
funcionam? Basta ver a Família Real. Ou papai e mamãe.
O Dia
dos Namorados não passa de uma promoção
comercial, uma iniciativa cínica. Merece toda a minha
indiferença.
QUARTA-FEIRA,
14 DE FEVEREIRO
57
kg, 2 unidades alcoólicas (à altura do Dia dos
Namorados: duas garrafas de cerveja Beck, sozinha,
argh),
12 cigarros, 1.545 calorias.
8h.
Oh, ai. Dia dos Namorados. Será que o carteiro já
passou? Pode ser que tenha um cartão do Daniel. Ou de um
admirador secreto. Um buquê de flores ou uma caixa de
chocolates em forma de coração. Estou bem agitada.
Momento de uma
alegria selvagem ao ver um buquê de rosas na portaria do
prédio. Daniel! Desci a escada correndo e peguei o buquê
toda feliz exatamente na hora em que a porta do apartamento térreo
abriu e Vanessa apareceu.
Ah,
que lindas flores! — disse ela, invejosa. — Quem mandou?
Não
sei! — respondi sem jeito, olhando o cartão. —
Ah... são para você.
Não
tem problema. Olha, isso é para você — disse ela,
me consolando. Era a conta do cartão de crédito.
Resolvi
que ia tomar um
cappuccino
e
comer uns
croissants
de
chocolate para me animar antes de ir para o escritório. O
corpo não me interessa. Não vale a pena, já que
ninguém me ama nem quer saber de mim.
No caminho para o
trabalho, dentro do metrô, dava para ver quem tinha
recebido cartão de Dia dos Namorados e quem não tinha.
As pessoas se entreolhavam tentando sorrir, maliciosas, ou afastavam
o olhar.
Cheguei no
escritório e vi que na mesa de Perpétua tinha um
buquê do tamanho de uma ovelha.
—
Então,
Bridget! — cumprimentou ela, alto para todo mundo ouvir. —
Você ganhou quantos?
Caí na
cadeira resmungando "cala a boca" entre dentes, como uma
adolescente humilhada.
—
Diga
lá, quantos recebeu?
Achei que ela ia
pegar minha orelha e puxar, ou alguma coisa assim.
—
Eu
sabia
que você
não tinha ganhado nenhum — grasnou Perpétua. Foi
só aí que percebi que Daniel estava ouvindo e
rindo do outro lado da sala.
QUARTA-FEIRA,
15 DE FEVEREIRO
Surpresa inesperada.
Estava saindo de casa para o trabalho quando vi um envelope rosa
na mesa da portaria — obviamente um cartão atrasado do
Dia dos Namorados — endereçado "A Bela Triste".
Fiquei emocionada, imaginando que fosse para mim, e de repente
me vi como obscuro e misterioso objeto do desejo dos homens. Depois
lembrei da droga da Vanessa e seu sedutor cabelinho preto curto.
Argh.
21h
.
Acabei de chegar e o cartão continua lá.
22h.
Continua lá.
23h.
Inacreditável. O cartão ainda está lá.
Vai ver que Vanessa ainda não chegou.
QUINTA-FEIRA,
16 DE FEVEREIRO
56,2
kg (emagreci subindo e descendo as escadas), 0 unidade alcoólica
(excelente), 5 cigarros
(excelente), 2.452
calorias (não m. b.), número de vezes que desci e subi
escadas para ver o envelope
do Dia dos
Namorados: 18 (psicologicamente
negativo,
mas ótimo exercício).
O cartão
continua lá! Claro que deve ser como pegar a última
barra de chocolate ou comer a última fatia do bolo. Vanessa e
eu somos muito educadas para fazer isso.
SEXTA-FEIRA,
17 DE FEVEREIRO
56,2
kg, 1 unidade alcoólica (m. b.),
2
cigarros (m b.),
3.241
calorias (ruim, mas queimadas
na escada), número de vezes que fui
ver
o
cartão:
12 (obsessiva).
9h.
O cartão continua lá.
21h.
Continua lá.
21h30.
Continua lá. Não agüento mais. Senti um cheiro de
comida saindo do apartamento de Vanessa, então bati na porta.
Quando ela abriu, falei:
Acho
que isso deve ser para você — e mostrei o cartão.
Ah,
pensei que fosse para você.
—
Vamos
abrir? — sugeri.
—
Vamos.
— Entreguei a ela, que me devolveu, rindo. Devolvi. Adoro
garotas.
—
Abra
— pedi, e ela cortou o envelope com a faca de cozinha que
segurava. Era um cartão artístico, devia ter sido
comprado numa galeria de arte.
Ela fez uma careta.
—
Não
sei o que isso quer dizer - disse, me entregando o cartão.
O texto dizia:
"Apenas uma exploração comercial, ridícula
e sem sentido. Para minha gatinha frígida."
Dei uma espécie
de guincho agudo.
22h.
Acabo de ligar para Sharon e contar tudo. Ela disse que eu não
devia perder a cabeça por causa de um cartão barato e
devia esquecer o Daniel, já que ele não é uma
pessoa muito recomendável e não vai dar em nada
que preste. Telefonei para saber a opinião do Tom,
principalmente sobre se eu deveria ligar para Daniel no fim de
semana. "Nããããão!",
gritou ele. E perguntou várias coisas: por exemplo, como tinha
sido o comportamento de Daniel nos últimos dias quando, depois
de mandar o cartão, eu não tinha demonstrado nada.
Falei que ele parecia mais sedutor do que nunca. Tom receitou
aguardar até a próxima semana e continuar indiferente.
SÁBADO,
18 DE FEVEREIRO
57kg, 4 unidades
alcoólicas, 6 cigarros, 2746 calorias, 2 números certos
na loteria (m.b).
Finalmente
descobri o que há com meus pais. Estava começando
a imaginar uma situação tipo
mulher-de-meia-idade-volta-de-férias-e-enlouquece e ia abrir o
Sunday People
e ver
uma foto da minha mãe com cabelo oxigenado e blusa de oncinha
sentada num sofá com um sujeito chamado Gonzalez de
jeans
delavê e declarando que, quando você
gosta mesmo de um homem, uma diferença de idade de
46
anos não
é
importante.