O DIÁRIO DE BRIDGET JONES (35 page)

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Authors: Helen Fielding


Tom,
o que houve? - gritei, tentando dar um abraço desajeitado nele
e acabando por beijar sua orelha. Jude começou a chorar,
Sharon deu um soco na parede.


Não
se preocupe, Tom. Vamos descobrir os bárbaros que fizeram isso
- ameaçou ela.


O
que houve? - repeti, com lágrimas escorrendo pelo rosto.


Bom,
é... É que eu fiz uma plástica no nariz - disse
Tom, se soltando do meu abraço.

Sem
ninguém saber, ele foi operado na quarta-feira e ficou com
vergonha de contar para nós porque achávamos a marca no
nariz dele insignificante. Jerome devia ter cuidado dele - e a partir
de então passou a ser chamado de Jerome o Canalha (devia ser
Jerome Sem Coração, mas concordamos que o outro apelido
soava melhor). Mas quando Jerome o Canalha viu Tom depois da cirurgia
ficou tão assustado que explicou que ia embora por uns dias e
sumiu. O pobre Tom estava tão deprimido e traumatizado, tão
esquisito por causa da anestesia, que simplesmente desligou o
telefone, se enfiou debaixo dos lençóis e dormiu.


Então
era você que estava na Ladbroke Grove quinta-feira à
noite? - perguntou Sharon.

Era.
Ele esperou ficar bem escuro para ir comprar comida. Apesar da nossa
alegria por ele estar vivo, Tom estava muito triste por causa de
Jerome.


Ninguém
me ama - disse ele.

Falei
para ele ligar para minha secretária eletrônica e ouvir
os 22 recados desesperados dos amigos dele, preocupados porque estava
sumido há 24 horas, o que afastou nosso medo de morrermos
sozinhos e sermos comido por um pastor-alemão.


Ou
do corpo só ser encontrado três meses depois, em
decomposição sobre o tapete - completou Tom.

Perguntamos
então como um lunático com um nome daquele podia fazer
Tom achar que ninguém o amava?

Dois
bloodymary depois ele estava rindo da mania que Jerome tinha de usar
o termo "autoconfiante" e de suas cuecas Calvin Klein
samba-canção. Enquanto isso, Simon, Michael, Rebecca,
Magda, Jeremy e um rapaz que disse se chamar Elsie ligaram para saber
notícias dele.


Sei
que todos nós somos neuróticos, solteiros,
completamente malucos e nossa vida gira em torno do telefone - disse
Tom, enrolando as palavras, emocionado.

Mas é meio parecido com uma família, não?

Eu sabia que o Feng
Shui ia funcionar. Agora que deu certo, vou rapidamente mudar a
planta de folhas redondas para o Canto dos Relacionamentos. Gostaria
que existisse um Canto da Culinária também. Faltam só
nove dias para o jantar.

SEGUNDA-FEIRA
, 20 DE NOVEMBRO
56,2
kg (m.b.), 0 cigarro (é horrível fumar quase se está
realizando milagres gastronômicos), 3 unidades alcoólicas,
200 calorias (o esforço de ir ao supermercado deve ter
queimado mais calorias que as que comprei, sem falar nas que comi).
19h.
Acabo de voltar da odiosa experiência de solteira classe média
no supermercado, que fica na fila do caixa ao lado de adultos com
filhos comprando feijão,
nuggets
,
macarrão de letrinhas etc., trazendo os seguintes
mantimentos:

20 cabeças de
alho

1 lata de gordura de
ganso

1 garrafa de Grand
Marnier

8 filés de
atum

3 dúzias de
laranjas

4 potes de creme de
leite

4
bastões de baunilha de 1,39 libra cada.

Tenho
de começar os preparativos hoje à noite, já que
trabalho amanhã.
20h.
Argh, não estou com a menor vontade de cozinhar. Muito menos
de mexer com esse horrendo saco de ossos de galinha: que nojo.
22h.
Já coloquei os ossos de galinha na panela. O problema é
que Marco manda amarrar dois ingredientes que acentuam o sabor -
alho-poró e aipo - com um barbante, mas o único que
tenho é azul. Bom, espero que funcione.
23h.
Deus meu, a coisa levou séculos para cozinhar mas valeu a pena
porque rendeu quase dez litros, que congelei em cubos de gelo e tudo
ficou por apenas 1,70 libra. Hum, o
confit
de laranja vai ficar uma delícia. Agora, basta descascar 36
laranjas e ralar a casca. Faço isso em dois tempos.
Uma
da manhã.
Estou
morrendo de sono mas faltam umas duas horas para o caldo cozinhar e
mais uma hora para as laranjas assarem no forno. Já sei o que
vou fazer. Deixo o caldo em fogo brando durante a noite e as laranjas
na temperatura mínima do forno, assim ficarão mto
macias como se cozidas no vapor.

TERÇA-FEIRA,
21 DE NOVEMBRO
55,8kg
(o nervosismo queima as gorduras), 9 unidades alcoólicas (mto
ruim mesmo), 37 cigarros (m.m. ruim), 2.475 calorias (é tudo
um nojo).

9h30.
Acabo de destampar a panela. Os dez litros de caldo concentrado
esperados viraram um monte de ossos de galinha queimados e cobertos
por uma geléia. O
confit
de laranja parece delicioso, igualzinho ao da foto do livro de
receitas, só um pouco mais escuro. Agora vou trabalhar. Saio
da redação às quatro, na volta penso numa
solução para o problema da sopa.
17h.
Ai, Deus. O dia virou um pesadelo. Richard Finch me deu uma bronca na
frente de todo mundo na reunião da manhã:


Bridget,
pelo amor de Deus, esqueça esse livro de receitas. Pense em
crianças queimadas por fogos de artifício. Estou
pensando em mutilações. Estou pensando em alegres
comemorações familiares que se transformam em
pesadelos. Estou pensando em 20 anos depois O que aconteceu com
aquele menino dos anos 60 que queimou o pinto com bombinhas de São
João guardadas no bolso da calça? Onde está ele?
Bridget, descubra o menino das bombinhas que ficou sem pinto. Ache o
John Bobitt dos anos 60.

Argh.
Eu estava no quadragésimo oitavo telefonema para saber se
existia um grupo de apoio às vítimas de pinto queimado
quando o telefone tocou.


Alô,
querida, é mamãe - ela parecia mais animada e histérica
do que nunca.


Oi,
mãe.


Alô,
querida, liguei só para me despedir, espero que fique tudo
bem.


Despedir?
Aonde vai?


Ah.
Rá-rá-rá. Eu contei, Julio e eu vamos passar
duas semanas em Portugal só para ver a família dele e
tornar um pouco de sol antes do Natal.


Você
não tinha contado.


Não
seja boba, querida. Claro que contei. Você tem que aprender a
prestar atenção. Mas fique direitinha, sim?


Sim.


Ah,
querida, só mais urna coisa.


O
quê?


Estive
tão ocupada que esqueci de comprar meus cheques de viagem.


Ah,
não se preocupe, você pode fazer isso no aeroporto.


O
problema, querida, é que estou indo para o aeroporto e esqueci
meu cartão do banco.

Incrível,
pensei, encarando o telefone.


Uma
chatice. Então achei que você talvez pudesse me
emprestar algum dinheiro. Não muito, só umas 200 libras
para cheques de viagem.

Ela
falou de um jeito que lembrava os mendigos pedindo esmola para tomar
uma xícara de chá.


Estou
trabalhando, mãe. Julio não pode emprestar?

Ela ficou cheia de
melindres.


Não
posso acreditar que você seja tão sovina, querida.
Depois de tudo o que fiz por você. Dei-lhe o dom da
vida
e você não pode emprestar algumas libras para sua mãe
comprar cheques de viagem.


Mas
como vou entregar o dinheiro para você? Terei de ir ao caixa
eletrônico e mandar por um motoqueiro. Aí o dinheiro
será roubado e vai ser um problema. Onde você está?


Aah.
Bom, por sorte eu não podia estar mais perto: se você
atravessar a rua em frente ao NatWest, nos encontramos daqui a cinco
minutos. Obrigada, querida. Tchau!


Bridget,
onde
diabos
você está indo? - berrou Richard quando tentei sair de
fininho.

Já achou o menino do pinto queimado?


Estou
com uma pista ótima - respondi, e saí correndo.

Minha
mãe chegou na hora em que eu esperava o dinheiro sair do
caixa, novinho em folha, e pensava como ela ia passar duas semanas em
Portugal com 200 libras. Surgiu esbaforida e escondida atrás
de óculos escuros, embora estivesse chovendo muito.


Ah,
querida. Você é um amor. Muito obrigada. Tenho de correr
senão perco o avião. Tchau! _ disse ela, arrancando as
notas da minha mão.


O
que está acontecendo? - perguntei.

Por que você estava por aqui, tão distante do aeroporto?
Como vai se arranjar sem o cartão do banco? Por que Julio não
pode emprestar? Como você vai fazer? Hein?

Ela
pareceu assustada, como se estivesse prestes a chorar, mas logo fez
um olhar distante e uma magoada cara de princesa Diana.


Tudo
vai dar certo, querida - deu seu sorriso-coragem.

Cuide-se - acrescentou com uma voz trêmula, me deu um abraço
rápido, fez sinal para os carros pararem e atravessou a rua.

19h.
Acabo de chegar em casa. Certo. Calma, calma. Equilíbrio
interior. A sopa vai ficar uma delícia. Vou só cozinhar
e amassar os legumes como está na receita e depois –
para concentrar o sabor - cozinhar aquela geléia azul da
carcaça de galinha junto com o creme e a sopa está
pronta.
20h30.
Vai tudo muito bem. Os convidados estão na sala. Mark Darcy,
muito gentil, trouxe uma garrafa de champanhe e uma caixa de
chocolates belgas. Ainda não fiz o prato principal, só
cozinhei as batatas, mas logo termino isso. De todo jeito, a sopa é
o primeiro prato.
20h35.
Ai, Deus. Destampei a panela para retirar os ossos. A sopa está
azul brilhante.
21h.
Adoro meus adoráveis amigos. Tiveram uma atitude bem esportiva
em relação à sopa azul. Mark Darcy e Tom
chegaram até a discutir o preconceito contra comidas
coloridas. Mark argumentou: por que não pode haver sopa azul,
só porque não existe legume azul? Afinal de contas,
nuggets
de peixe não
são, originalmente, de cor alaranjada. (A verdade é
que, apesar de todo o meu esforço, a sopa ficou com gosto de
creme cozido, como Richard o Vil teve a gentileza de observar. Nesse
momento, Mark Darcy perguntou qual era a profissão dele e foi
ótimo porque Richard o Vil acabou de ser demitido na semana
passada por fraude nos gastos.) Mas tudo certo. O prato principal vai
ficar bem gostoso. Bom, vamos começar cuidando do
velouté
de tomates-cereja.
21h15.
Ai, Deus. Houve alguma coisa na mistura, algo de estranho: o purê
de tomates-cereja está espumoso e numa consistência três
vezes maior. E as batatas cozidas deviam estar prontas há dez
minutos, mas estão duras como pedra. Talvez seja melhor eu
colocar no microondas. Aargh, aargh. Dei uma olhada na geladeira e
não achei o atum. Que fim levou o atum? Onde foi parar?

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